A dor faz parte de um sistema que protege e preserva a vida. Sem este alerta estaríamos em risco pois não saberíamos quando ocorre uma lesão ou dano no corpo. Neste artigo explica-se de forma resumida como funciona este sistema de alerta e proteção.

Mecanismos da Dor – um sistema de alerta

Vários mecanismos de proteção são ativados perante uma lesão tecidular como é exemplo a picada de um alfinete num dedo, fazer uma entorse ou dores por “más posturas” mantidas. Este mecanismo inicia com a ativação dos recetores que existem nos órgãos periféricos (pele, articulações, músculos e vísceras) sensíveis a determinados estímulos que podem provocar dano. Os recetores ou nocicetores são responsáveis por transmitir a informação desde o local da lesão até ao SNC – medula espinhal e cérebro. O cérebro irá processar a mensagem e caso conclua que há uma ameaça é desencadeada uma ação em resposta à agressão, seguida de um processo de cicatrização.

Aqui, a dor será inflamatória, limitada no tempo, dependente do período de cicatrização da lesão que lhe deu origem. Quando a lesão está curada a dor em princípio irá desaparecer.

Como são transmitidas as informações de lesão dos tecidos até ao cérebro?

  • Via ascendente da dor:

    Os nocicetores são especializados em detetar diferentes estímulos como a temperatura (calor e frio), estímulos mecânicos (pressão) e alterações químicas, tanto internas como externas (como o contacto com as urtigas e o ácido lácteo produzido após exercício). Quando estes recetores respondem a um estímulo que possui potencial dano para o corpo humano, os canais de sódio sensíveis à voltagem abrem-se e deixam entrar rapidamente partículas carregadas positivamente, do lado de fora do neurónio para dentro e assim ocorre a tradução da energia em potencial de acção, levando à despolarização do neurónio com vista a iniciar a transmissão do impulso nervoso (mensagem de perigo) até à medula espinal. A dor aguda, tipo picada, chega pelas fibras com mielina que transmitem a informação de forma mais rápida e a dor difusa, tipo latejante, chega mais tarde devido às fibras de condução lenta, que não têm mielina. Assim, as fibras nervosas transmitem a informação do sinal doloroso através do primeiro neurónio passando à medula espinal onde fazem sinapse com o neurónio de segunda ordem. Esta fase depende da presença de substâncias químicas (neurotransmissores) excitatórias como é, por exemplo, o glutamato e a substância P. Após a sinapse, o axónio do segundo neurónio propaga o sinal até ao cérebro onde será realizada a interpretação desse perigo. A informação entra através de uma estrutura chamada tálamo e daqui surgem duas vias responsáveis por diferentes tipo de dor: a dor somática, aguda e bem localizada (pelo trato neoespinhotalâmico) e a dor visceral, mal localizada (pelo trato paleo-espinhotalâmico). Este último envia o sinal de forma difusa para outras zonas do cérebro como o sistema límbico, a formação reticular e córtex cerebral que controlam a percepção e integram a resposta afectiva à dor. Esta via está por isso relacionada com a dor crónica.

    Mecanismos de inibição da dor

  • Via descendente da dor:

    Felizmente, existem mecanismos capazes de modular este processo da transmissão da dor. Assim que é detetada a dor pelo cérebro, são conduzidas informações por uma via descendente na medula espinal, onde são libertadas substâncias que têm a capacidade de diminuir a excitabilidade do neurónio, conduzindo à inibição da dor. As substâncias mais importantes neste sistema são a serotonina , noradrenalina e opióides endógenos. Todas estas substâncias são produzidas pelo nosso organismo.

    Imagem retirada do livro “Explain Pain – David Butler”

    Mecanismos de Sensibilização da Dor:

    Os processos de sensibilização da dor podem ocorrer fisiologicamente, como por exemplo, durante processos inflamatórios ou, patologicamente, como acontece no caso da dor crónica.
    A sensibilização da dor ocorre sob duas formas principais: sensibilização periférica e a sensibilização central.

    Sensibilização Periférica:
    Como referido, perante uma lesão está habitualmente associado um processo inflamatório. No local da lesão é criada uma “sopa inflamatória” com libertação de moléculas e mecanismos que vão trabalhar progressivamente para a cicatrização dos tecidos. No início, esta resposta inflamatória inclui vários processos associados como a vasodilatação e a libertação de proteínas que causam rubor, aumento da temperatura local e edema. Este processo intensifica a reação das fibras nervosas a estímulos nocicetivos, dando origem a uma sensibilização periférica, processo que surge para proteger a área inflamada do contacto e do movimento, no sentido de restabelecer a função. À medida que o tecido cicatriza a dor deverá diminuir e o limiar de sensibilidade aos estímulos deverá aumentar.

    Imagem retirada do livro “Explain Pain – David Butler”

    Se ocorrerem erros (como alteração da expressão genética e da síntese proteica) este processo de sensibilização mantém-se, progredindo para uma sensibilização central.

    Sensibilização Central:

    A sensibilização central (SC) é caracterizada por hipersensibilidade (excessiva sensibilidade a estímulos com potencial de dano) do sistema somatosensorial, não só no local da lesão inicial como nas áreas adjacentes. Pensa-se que este fenómeno deve-se ao aumento da atividade dos mecanismos da dor com redução do limiar, o que significa que um determinado estímulo não agressivo inicia o mecanismo da dor quando não seria esperado. É como se existisse um estímulo nocivo que persiste por um longo período de tempo, sem interrupção das mensagens de perigo. Perante esta estimulação mantida, o sistema nervoso central poderá ficar hiperreativo também em relação aos estímulos externos, tornando-se mais “sensível” à luz, calor/frio, barulho, stress, cheiros. Associado a esta resposta exagerada do sistema existe também um “mau funcionamento” nos mecanismos de inibição da dor.

    A dor crónica pode assim surgir como uma consequência da sensibilização central mas nem todas as pessoas que sofrem de dor crónica sofrem de sensibilização central.

    Pensa-se que a SC poderá estar na base de determinados subgrupos de dor crónica (como a dor lombar, whiplash, osteoartrite, artrite reumatóide, dor no cotovelo, dor no ombro e dores de cabeça) e as razões para este aspeto são ainda desconhecidas no entanto, pode associar-se a uma predisposição genética ou influências de outros fatores biopsicosociais.

    A presença de SC significa que o cérebro é capaz de percecionar dor, fadiga e outros sinais de alarme, ainda que não exista lesão estrutural. Esta não será uma disfunção da “cabeça” mas sim do SNC, cérebro e medula espinal, onde os mecanismos que regulam a dor não atuam devidamente, ficando o sistema de alarme desajustado e inadequado.

    Assume-se que várias condições de dor crónica estejam associadas a defeitos na modulação da dor, especialmente um défice no processo de inibição da dor como acontece na sensibilização central.

    Como pode a equipa da Fisiovida ajudá-lo a superar este processo?

    É muito importante realçar a importância de uma abordagem terapêutica multiprofissional e interdisciplinar perante uma questão de multidimensionalidade.
    Numa fase inicial, é importante um esclarecimento das percepções que a pessoa tem sobre a sua situação através da Educação da Fisiologia da Dor. Compreender a controvérsia da dor crónica ajudará a entender a ausência de marcadores objetivos ou imagens de diagnóstico que comprovem a presença de um problema ou de uma lesão tecidular. De seguida, será importante traçar um plano de intervenção tendo em conta os objetivos e expetativas de cada pessoa, baseado no que mais valoriza.

    Estas estratégias serão focadas na capacidade e na funcionalidade e não nos sintomas, sendo transversal às actividades da vida diária, ao exercício terapêutico e durante a terapia manual.

    Significa que será encontrada uma solução para não fazer demais, mas também não deixar de fazer tudo, ajudando-o a manter-se ativo e a fazer as coisas que gosta e que necessita de fazer, sem ativar os mecanismos de alerta. Este modelo de intervenção é apoiado pela literatura mais recente que verifica mudanças positivas ao nível do SNC, assim como aumento da funcionalidade, diminuição da catastrofização da dor e melhoria na mobilidade.

    Em vários estudos verificou-se também que após o exercício aeróbio o limiar dos estímulos nociceptivos fica aumentado, ou seja, o sistema está menos sensível, não activando tão facilmente os mecanismos da dor.

    Pensa-se que o sistema opióide endógeno (substâncias produzidas pelo próprio corpo) tem um papel chave bem como a ativação de neurotransmissores, como a serotonina e a noradrenalina. Independentemente do seu mecanismo, pode afirmar-se que o exercício induz hipoalgesia (diminuição da sensibilidade à dor) temporária e também por isso é importante o utente manter-se ativo em todo o processo.

    Contar com uma equipa actualizada e interessada nos conhecimentos mais recentes do mecanismo da dor é uma mais-valia para um acompanhamento eficaz e bem sucedido!

    Autora do artigo:

  • Dra. Luciana Ferraz – Fisioterapeuta especialista em RPG e Pilates

    BIBLIOGRAFIA:

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